quinta-feira, 20 de agosto de 2009

-i-m-p-r-e-s-s-o-s-

Sobre lombras e babilaques

Livro de artista, livro-objeto, livro-obra e não-livro. Obras em forma de livro ou obras que guardam alguma relação com o livro enquanto objeto. É difícil encontrarmos algum movimento artístico no último século que não tenha seu vínculo com o livro como objeto. Basta lembrarmos da Boîte en Valise (1941) de Marcel Duchamp, também conhecida como museu portátil, uma espécie de publicação que assinalava a forte preocupação do artista em relação aos locais tradicionais de exposição. Esta obra propunha uma busca por espaços “além do cubo branco”, além da obra original e além do artista como gênio criador. André Malraux, Marcel Broodthaers e Seth Siegelaub, dentre outros, também compartilharam, em livros, essa busca.
Durante os anos 60 e 70, os artistas da Arte Conceitual _ pela própria relação particular que nutriam pela palavra _ e do grupo Fluxus realizaram várias publicações que utilizam o livro como campo primário do conceito e não mais como campo de reprodução de obras originais. Em diálogo com essa tradição, no Brasil, temos o Livro de Carne (1998) de Artur Barrio e o livro Economia Política (1990) de Brusky & Santiago, obras cuja leitura orienta, também, para uma realidade social mais ampla na qual a arte tem sua existência.
Os livros de artista de Carol Lisboa e de Thiago Godoi buscam estabelecer um diálogo com essa tradição. Este diálogo, contudo, que se estabelece de maneira bem particular na produção de cada um. Carol Lisboa é mais vinculada à palavra, ao diálogo com a poesia e à tradição escrita. Busca aprender e se apropriar de métodos explorados por artistas como os irmãos Campos e Tom Phillips. Já a produção de Thiago Godoi se aproxima mais do livro em seu caráter objetual, o não-livro. Há também, em sua produção, um diálogo com o performático que ocorre por meio de livros que convidam ou resultam de uma ação.
Vale a pena dar atenção à referência que ambos fazem à obra de Waly Salomão. Convido o visitante a perguntar, a qualquer momento da visita, walysticamente falando: Qual a lombra desses babilaques?

Polyanna Morgana
Curadora








LIVRO ENQUANTO LIVRE

Entre ser e estar, o livro se impõe como objeto, independente de qualquer conteúdo, por sua materialidade, mas também como instituição fora de qualquer objetividade imediata. Livro-objeto, além de qualquer mensagem verbal ou visual, mas dependente das tecnologias de sua manufatura, de projetos de concepção: livro-livro, livro livre. Objeto histórico e cultural, que condiciona sua “leitura”, posse, uso e interpretação, como forma autônoma de comunicação, transcendente de qualquer linearidade discursiva ou de qualquer objetividade de mensagem explícita. Livro-coisa.
O livro é anterior à imprensa, tem vocação mítica, tem forma social e reconhecibilidade arbitrária ou convencional. Que os artistas se apoderem de suas faculdades inteligíveis e transformem-no em entidade própria para a criação e o encantamento. Já Andy Warhol nos projetava um livro manipulável, interferindo significantemente na ontologia de qualquer inscrição; já os concretistas dos anos 50 do século passado pregavam a feitura de um livro-objeto capaz de alterar a leitura de seus registros; os neoconcretistas orientavam para o não-objeto que está além de sua materialidade. Mallarmé já via em sua página o espaço de interpretação além das palavras e linhas textuais, nos espaços vazios e suas orientações ultra-semânticas...
Carol Lisboa e Thiago Godoi propõem novas abordagens e recriações a partir do livro como forma e como meio de expressão, desarticulando e desconstruindo possíveis textos e mensagens, como os dadaístas preconizaram (nos limites das tecnologias ao seu alcance). Livro de criação e magia, espaço misterioso entre a corporificação e sua significação, entre ser e estar, obra aberta para novas projeções e interpretações. Livro no espaço, fluindo e fruindo entre coisa e imaginação, em estado virtual ou potencial, entre o criador e seu público, sem qualquer pré-tensão. Livro para o olho, para o(s) sentido(s). Livro-livro, livre.

Antonio Miranda