Há chiclete por todo o piso da Rodoviária do Plano Piloto em Brasília. Os chicletes são rastros de gestos cotidianos que se inscrevem como acontecimento, deixando marcas, pistas, memórias; São abandonos absorvidos pela paisagem, corpos inscritos de vestígios, fragmentos de um rizoma em um suporte que insiste na resistência.
A obra é gerada na invisibilidade dos passantes. Torna-se campo semântico e metafórico no que diz respeito à velocidade e à morte da massa corpórea. Potência de contaminação de tudo: o Espaço inscrito por vestígios de gestos revela-se obra de arte em trânsito permanentemente.
É o gesto, promovido na displicência dos passantes pelo contexto, que gera a obra que a cada momento se refaz. A obra convida a novos passantes a repetirem o gesto em um novo ponto desse lugar a ser recoberto, recomposto com chiclete.
O espaço público, formado por marcas dos seus usuários, promove intimidade entre fatias de mundo que dificilmente se encontrariam. Atrações estranhas, tensão erótica, montagens inusitadas, hibridações. Quando obra e ambiente se encontram, há uma sutil sedução entre os elementos que os constituem; desnaturaliza-se um pedaço de mundo; mostra-se em avesso.
O caráter transitório está presente nas combinações e recombinações de suas ADERÊNCIAS; work in process. Às vezes são apenas pedaços de obra que se atualizam em novas composições: estruturas que retornam. Às vezes, obras inteiras. Às vezes elas mudam de nome a cada reatualização. Às vezes não. [...] Às vezes uma obra se junta com outra e até com mais uma e, neste cruzamento, germina outra ainda, desconhecida. A permanência está na repetição, às vezes por anos a fio. Ora ficam anos sem reaparecer, hibernam adormecidos no esquecimento.
A tecnologia do local se caracteriza pelo comprar, mascar, jogar, imprimir seu DNA em placas únicas; monotípicas, e se deliciar com o que não se sabe, o não saber que produziu, e deixar pra traz sua marca/obra. Deixa partes de si mesmo aos cuidados do tempo e do esquecimento. Contudo o autor se transforma e a obra se estaguina por sua rejeição do mesmo.
A obra como instrumento de fuga do espaço da arte; instauração de uma ligação entre o espaço do museu e o espaço da rua, na busca por um museu cotidiano, instaura uma confusão no mapa dominante, ao qual os personagens transeuntes, aqui autores incógnitos de um fazer artístico encontrados pelo artista, em sua maioria não estariam inseridos.O acontecimento foi uma abertura oficial, mesmo que tardia, de um fazer artístico cotidiano que teve seu início quando o primeiro transeunte jogou o primeiro chiclete, não se sabe quando nem se conhece sua identidade, mas é possível apreciar os vestígios de seu gesto primeiro que se repete em tantos outros autores incógnitos.
Logo...
Esse acontecimento é gerado pelo olhar que identifica no cotidiano possíveis acontecimentos como arte. O olhar sobre cada uma das singularidades que transitam e deixam marcas que são a obra. Há chicletes por toda parte.
Do olhar do artista e dos espectadores/autores sobre os chicletes como possíveis fazeres artísticos cotidianos no espaço da rodoviária do Plano Piloto, em Brasília, um primeiro recorte territorial, que se torna obra de arte, a partir do dia 20 de junho de 2007, e se estende até não haver mais chicletes sobre o seu piso. Onde houver um ou mais chicletes reunidos, em qualquer lugar ou época, a obra estará presente transitória e permanente em suas aderências.
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